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Vergonha de dívida é maior do que de problemas sexuais, diz psicólogo

"œAdmitir a falência é muito constrangedor. Existe uma sensação muito ruim de impotência, inferioridade, derrota, fracasso', diz ex-empresária.

08/02/2017 11:09

A vergonha é o maior obstáculo para alguém chegar até a irmandade D.A. (Devedores Anônimos). Quem afirma é Rosa (nome fictício), 45, coordenadora de uma das reuniões do grupo na zona Oeste de São Paulo. Ela afirma que estava no fundo do poço quando foi ao local pela primeira vez, em 15 de agosto de 2008. “Admitir a falência é muito constrangedor. Existe uma sensação muito ruim de impotência, inferioridade, derrota, fracasso, perda de confiança e de dignidade. Como eu, que tenho duas faculdades, que ganhei milhões no mercado financeiro, estava então com o nome sujo, os bens todos penhorados, a luz cortada, com oficial de Justiça batendo à minha porta, vendendo pão de mel em frente a uma igreja? Foi vergonhoso admitir que havia perdido o domínio sobre minha vida”, lembra.

Só a partir da aceitação – justamente o primeiro passo do programa – é que Rosa diz ter conseguido pagar tudo o que devia, recuperar o que estava na iminência de perder e ainda aumentar seu patrimônio. Mas aí está o problema: a vergonha vem de brinde com a dificuldade financeira. É grátis. E complica muito a chegada até o caminho que pode levar à solução. “O primeiro passo consiste em admitir que da sua maneira nunca funcionou, não funciona nem vai funcionar. E aqui a vergonha é um ponto crucial: por causa dela, muitos não conseguem reconhecer a falência e acabam desistindo de se tratar”, afirma.

Esse tipo de dificuldade acerta em cheio a classe média, obcecada por pequenos luxos que não cabem no orçamento quando a situação aperta. Entre pessoas desse grupo e até mesmo as mais ricas, quantos vezes você esteve numa conversa no qual se falava abertamente sobre dívidas pessoais? Há ainda uma geração de jovens adultos, nascidos após o Plano Real (1994), para quem lidar com uma verdadeira crise econômica era uma experiência inédita – como enfrentar essa novidade sem sentir vergonha? E você? Numa situação de apuros, acha mesmo que conseguiria pedir socorro a quem está perto (talvez dinheiro, talvez uma conversa)? Não falar não elimina a dívida: está tudo lá, no extrato bancário ou, pior, nos órgãos de proteção ao crédito. A real sobre este problema é que, quanto mais se tenta esconder, mais ele aumenta.

Existem muitos motivos pessoais e/ou sociais para uma complicação financeira, mas, independentes dos porquês, são grandes as chances dessa situação causar incômodo. Há quem aparentemente não ligue para dívidas – pessoas muitas vezes chamadas (ou xingadas) de sem-vergonha -, mas não é esta a regra. A felicidade, aquela que o dinheiro supostamente não compra, parece se retrair diante do perrengue econômico. Em 2016, a carta de um executivo que se suicidou no Rio de Janeiro após matar a mulher e os dois filhos dizia: “Não vamos ter mais renda e não vou ter como sustentar a família. Melhor acabar com tudo isso logo e evitar o sofrimento de todos”.

Pesquisa do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) realizada em outubro de 2016 indica que a vergonha é uma constante entre os inadimplentes: 43% a sentem perante família e amigos. E não se trata de um universo pequeno: em dezembro de 2016, o órgão registrou 58,3 milhões de inadimplentes no Brasil, equivalente a 39% da população adulta. Entre os brasileiros de 30 a 39 anos, metade está negativada por não conseguir pagar suas dívidas já vencidas (estar “negativado” é o mesmo que ter o “nome sujo”, termo mais comum e também mais pesado). O número é alto, porém sempre dá para piorar: ficam fora dessa estatística os endividados adimplentes, aqueles que mantêm o nome limpo contraindo novas dívidas para pagar as pendências antigas.

Diante dessas evidências, fica claro tratar-se de uma dificuldade próxima a todos nós. E ainda assim um tabu, pela forma como (não) lidamos com ela. Brad Klontz, professor de psicologia financeira na Universidade de Creighton (Nebraska, EUA), acredita ser mais provável a revelação de problemas sexuais que de dificuldades com o cartão de crédito.

Diógenes Donizete, coordenador do Núcleo de Tratamento do Superendividamento da Fundação Procon-SP, relata o caso de uma pessoa que, antes de pedir ajuda, foi até o local de atendimento três vezes e não teve coragem de entrar (enquadra-se na categoria de superendividado o indivíduo/família que compromete mais de 30% da renda com financiamentos e parcelamentos). Segundo ele, a resistência é maior entre os homens. As mulheres procuram com mais frequência o programa – que hoje atende 11 mil famílias - e muitas acompanham seus parceiros para encorajá-los.

Fonte: UOL
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