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Relatório aponta indícios de execução em massacre no Pará

Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Pará aponta que Hércules Santos de Oliveira foi morto com características de execução.

29/05/2017 18:06

Pelo menos uma das vítimas da chacina que resultou na morte de 10 pessoas em Pau D’arco, sudeste do Pará, foi morta com características de execução. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Pará (Alepa), exames realizados no corpo de Hércules Santos de Oliveira constataram que ele foi assassinado com dois tiros à queima-roupa, na altura do coração.

Nove homens e uma mulher morreram no dia 24 de maio, durante uma ação policial para cumprimento de 16 mandados de prisão dos suspeitos de envolvimento na morte de um vigilante no sudeste do Pará. A Secretaria de Segurança Pública (Segup) disse que os policiais foram recebidos à bala, mas sobreviventes chacina contestam a versão dos órgãos de segurança: segundo os trabalhadores rurais, a polícia chegou na cena do crime atirando.

A comissão de direitos humanos da Alepa visitou os municípios de Redenção e Pau D’arco na última sexta-feira. As informações coletadas na visita serviram de base para um relatório que é produzido pela comissão e será apresentado oficialmente na terça-feira (30).

Ainda de acordo com a comissão, 25 pessoas estavam presentes na fazenda Santa Lúcia quando os policiais chegaram ao local para cumprir mandados de prisão de suspeitos de envolvimento na morte de um vigilante da fazenda.

Segundo a Alepa, pelo menos 3 das 25 pessoas que estão na fazenda se encontram desaparecidas. Outros dois estão hospitalizados e o restante foi alocado em programas de proteção. O grupo já deixou o sudeste do Pará mas, por motivos de segurança, seu paradeiro não pode ser divulgado.

Sobreviventes contam como chacina aconteceu

Em depoimento ao Ministério Público, uma testemunha contou que estava acampada com outras pessoas perto da sede da fazenda quando ouviram barulho de carros. Dois colegas foram ver o que era e voltaram dizendo que a polícia havia chegado. Todos saíram correndo mata adentro.

O sobrevivente disse ainda que depois de andarem por cerca de 500 metros, montaram um abrigo onde estavam mais ou menos 25 pessoas. Ele conta que repentinamente a polícia apareceu gritando ''não corre senão morre''.

A partir daí muita gente começou a correr e a policia começou a atirar, segundo o depoimento da testemunha. Ela relata que, enquanto rastejava, escutou os policiais dizendo a uma das vítimas, antes de atirar novamente, ''olha o que a gente faz com bandido'' .

O sobrevivente também afirmou ter ouvido colegas chorando e dizendo ''tá, tá, não vamos correr''. E os policiais perguntavam, antes de atirar novamente, ''porque vocês não correram também?”.

A vítima conseguiu fugir pela mata até chegar a um assentamento. A segunda testemunha contou uma versão muito parecida e acrescentou que a polícia, ao chegar, não explicou a situação.

O sobrevivente disse também que os agricultores não reagiram e que as armas que estavam no acampamento não foram usadas. Ele afirmou ainda que antes de fugir, ouviu os policiais batendo nas vítimas e rindo bastante após atirar nelas.

Os representantes da Associação dos Delegados Polícia do Pará (Adepol) vão acompanhar as investigações e defender os policiais que participaram da ação. "Estão invertendo as coisas. Os policiais foram recebidos à bala, atiraram em legítima defesa, apenas reagiram contra a ação do grupo. Eles estavam lá para dar cumprimento à reintegração de posse", afirmou João Moraes.

O Ministério da Justiça determinou que uma equipe da Polícia Federal acompanhe as investigações das mortes. Ainda neste sábado, peritos do Instituto de Criminalística do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves (CPC) deram sequência ao trabalho de perícia no local do crime.

De acordo com a Segup, 29 policiais, sendo 21 militares e oito civis, já estão sendo afastados das atividades rotineiras. Os agentes de segurança devem colaborar com as investigações. Ainda segundo a Segup, as equipes que participaram da operação vão responder a inquéritos policiais militares. Dois delegados também foram afastados.

Fazenda onde ocorreu a chacina é alvo de disputa de terras (Foto: Ascom/Polícia Civil)

Área de conflito

A fazenda Santa Lúcia é alvo de disputa de terras. O local foi invadido três vezes desde 2015. Em abril, o proprietário conseguiu a reintegração de posse, e contratou seguranças para vigiar o local. Segundo o advogado das vítimas, os trabalhadores rurais já haviam informado ao Incra, à Ouvidoria Agrária e ao Tribunal de Justiça do Pará sobre as tensões na região.

"Eram 200 famílias que ocupavam a área, e a gente vinha alertando as autoridades que estava na iminência de acontecer um novo massacre de Eldorado de Carajás", disse o advogado José Vargas Júnior.

O Incra informou que não houve acordo financeiro com o dono da fazenda para desapropriar a área para reforma agrária, e que tomou todas as medidas possíveis para regularizar as famílias e evitar conflitos na região.

De acordo com a Comissão da Pastoral da Terra (CPT), só neste ano ocorreram 18 mortes relacionadas ao conflito agrário no Pará. Já em todo o ano de 2016, foram 6. O Ministério Público também abriu um inquérito para apurar a causa das mortes.

Movimentos sociais criticam atuação da PM

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) divulgou uma nota de solidariedade às vítimas, alegando que "a chacina de Pau D'arco é mais um triste episódio que evidencia o acirramento da violência no campo, vitimando trabalhadores e trabalhadoras rurais, a parte mais vulnerável dos conflitos envolvendo a posse e uso da terra no Pará".

A CUT disse ainda que denuncia "nacional e internacionalmente a atuação autoritária, desproporcional e despreparada da Polícia Militar do Pará diante do conflito de Pau D'Arco. Adotaremos todos os protocolos necessários junto aos organismos internacionais de Direitos Humanos para que apurem a responsabilidade do Estado com a escalada de violência contra trabalhadores e trabalhadoras rurais e os movimentos sociais que os representam".

O texto segue informando que os movimentos sociais esperam que as mortes das vítimas da chacina não sejam naturalizadas, e informa que a solução para os conflitos no campo depende da "democratização do acesso à terra e o reconhecimento de direitos territoriais historicamente violados".

Segundo o Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, as vítimas são:

- Antônio Pereira Milhomem

- Bruno Henrique Pereira Gomes

- Hércules Santos de Oliveira

- Jane Júlia de Oliveira

- Nelson Souza Milhomem

- Ozeir Rodrigues da Silva

- Regivaldo Pereira da Silva

- Ronaldo Pereira de Souza

- Weldson Pereira da Silva

- Weclebson Pereira Milhomem

De acordo com a polícia, pelo menos 4 dos 10 mortos no episódio estavam com pedidos de prisão decretados - a Alepa diz que seriam 7. Os nomes dos mortos que teriam pedido de prisão decretados não foram discriminados.

Fonte: G1
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