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'Não há pedofilia', diz promotor sobre exposição de diversidade sexual

Promotores Denise Villela e Julio Almeida estiveram na exposição do Santander Cultural na segunda-feira (11), um dia após o encerramento em razão de protestos.

12/09/2017 17:46

Um dia após o cancelamento de uma exposição de diversidade sexual em Porto Alegre, dois promotores do Ministério Público do Rio Grande do Sul foram até o Santander Cultural, que sediava a mostra. A visita ocorreu na segunda-feira (11) e foi motivada por denúncias de que as obras estariam promovendo pedofilia e a sexualização de crianças, além de zoofilia.

"Fomos examinar in loco, ver realmente quais obras que teriam conteúdo de pedofilia. Verificamos as obras e não há pedofilia. O que existe são algumas imagens que podem caracterizar cenas de sexo explícito. Do ponto de vista criminal, não vi nada", salienta o promotor da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Julio Almeida.

A pedofilia ocorre em outras situações, salienta o promotor, ao citar o artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual;

Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso;

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão "cena de sexo explícito ou pornográfica" compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.

"Não há crianças e adolescentes em sexo explícito ou exposição de genitália de crianças e adolescentes. Também não há obras que façam com que a criança seja incentivada a fazer sexo com outra criança."

Além do promotor, também visitou a exposição a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões, Denise Villela. Os dois analisaram as mais de 200 obras e identificaram que quatro a cinco peças poderiam ter cunho sexual.

Para o promotor, uma das medidas que poderiam ser tomadas seria colocar essas peças em um espaço reservado. Entretanto, o ECA não faz uma exigência "objetiva" da necessidade da colocação de classificação etária para museus.

"O ECA é muito claro [diante a classificação indicativa de idade] para revistas, peças de teatro, programas de televisão, entre outros. Para museu não tem algo objetivo. É a primeira vez, em 20 anos na promotoria, que vejo isso", destaca Julio.

O promotor cita o caso de outros museus espalhados pelo mundo que não apresentam restrições, apesar da presença de nu frontal - e outras situações - em várias peças. Um dos mais famosos, lembra, é a Estátua de David, exposta no Museu de Florença, na Itália.

"Vamos analisar tecnicamente a situação para ver se isso constitui violação. Também vamos verificar se os museus têm que entrar em classificação etária como cinemas, teatros e televisão", observa Julio.

"Arte não se discute, se gosta ou não. A questão é para qual público é destinado. É questão subjetiva."

Exposição Queermuseu contava com 90 obras, de 270 artistas nacionais, abriu em 15 de agosto e iria até 8 de outubro (Foto: Marcelo Liotti Junio/Divulgação)

Abaixo-assinado pede reabertura de exposição

Um abaixo-assinado, organizado na internet, pede a reabertura da exposição Queermuseu no Santander Cultural. Até as 14h desta terça-feira (12) mais de 37 mil pessoas já tinham participado da mobilização.

No texto do abaixo-assinado, o cancelamento da exposição é classificado como "retrocesso e a atitude exatamente contrária que deve ter um centro cultural sobre os conteúdos artísticos".

"Que seja reaberta a exposição como demostração que a sociedade não se limita a alguns segmentos ou então que cerre suas portas este pseudo centro cultural que com verba apoiada pela da lei Rounet desperdiça cultura."

'Nível de agressividade que eu nunca tinha visto', diz curador

Em entrevista ao G1 na segunda-feira (11), o curador da exposição, Gaudêncio Fidelis, afirmou que foi xingado por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) dentro do Santander Cultural. Além dele, frequentadores da mostra também foram abordados, o que Gaudêncio classifica como "ataques sistemáticos", que iniciaram a partir de quarta-feira (6) e prosseguiram durante o último fim de semana.

"Eles ingressaram na exposição atacando público com câmera em punho, perguntando se gostavam de pornografia, de pedofilia. Foi um nível de agressividade que eu nunca tinha visto. " Segundo Gaudêncio, os seguranças intervieram e retiraram os integrantes do MBL do local, devido aos cuidados necessários com as obra.

Os ataques seguiram nas redes sociais, com mensagens ofensivas. "Não é só incômodo, mas as manifestações nas redes sociais são, na maioria, de pessoas que não viram exposição", entende o curador.

Questionado sobre a acusação da exposição incitar pedofilia e zoofilia, Gaudêncio considera que as peças foram descontextualizadas e que o MBL criou uma falsa narrativa.

"Isso foi feito com base em narrativa falsa, imagens e vídeos editados. O MBL resolveu transformar a exposição como plataforma de visibilidade."

Para coordenador do MBL, censura não é 'questão central'

Em entrevista à rádio Gaúcha, um dos coordenadores do MBL, Kim Kataguiri, admitiu que o movimento organizou um boicote à exposição e ao próprio banco. Entre as ações estava a realização de campanhas pelas redes sociais. Por outro lado, ele negou os "ataques sistemáticos", referidos pelo curador da exposição, por integrantes do MBL.

"Pedimos o boicote à exposição. Estava sendo obrigado a pagar, isso não foi só do MBL, mas de clientes do Santander, a empresa sofreu boicote. Hoje o verdadeiro rei é o consumidor, se o Santander tivesse que sobreviver com clientes que toleram zoofilia, pedofilia, mas eles não sobrevivem", disse Kataguiri.

Questionado se a ação do MBL não foi uma prática de censura, Kim desconversou. "A questão central não é essa. Estou sendo obrigado a pagar [para entrar na exposição], muitos jornalistas disseram que o MBL não estava sendo liberal. Mas não existe maior expressão de livre mercado que o boicote." Segundo a assessoria de imprensa do Santander Cultural, a entrada para a exposição era franca.

O que diz o Santander

A exposição, sediada no Santander Cultural, no Centro de Porto Alegre, entrou em cartaz no dia 15 de agosto e ficaria até o dia 8 de outubro.

Em comunicado no Facebook, a instituição afirmou que "o objetivo do Santander Cultural é incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia".

Leia a nota do Santander:

Reconhecemos que, além de despertar a polêmica saudável e o debate sobre grandes questões do mundo atual, infelizmente a mostra foi considerada ofensiva por algumas pessoas e grupos.

Nós, do Santander, pedimos sinceras desculpas a todos aqueles que enxergaram o desrespeito a símbolos e crenças na exposição Queermuseu. Isso não faz parte de nossa visão de mundo, nem dos valores que pregamos. Por esse motivo, decidimos encerrar antecipadamente a mostra neste domingo, 10/09.

O Santander Cultural tem como missão incentivar as artes e dar luz ao trabalho de curadores e artistas brasileiros, para gerar reflexão positiva. Se esse objetivo não foi atingido, temos o dever de procurar novas e diferentes abordagens. Seguimos, portanto, comprometidos com a promoção do debate sobre diversidade e inclusão, entre outros grandes temas contemporâneos.

Fonte: G1
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