Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Exposição e peça canceladas reascendem debate sobre censura no país

Movimentos artísticos são cancelados após pressões da sociedade e nos fazem retomar o questionamento: há censura no Brasil?

23/09/2017 08:40

Em seu entendimento mais simples, a censura pode ser percebida como a ação pelo Estado ou grupo de poder no sentido de controlar e impedir a liberdade de expressão. Tocar neste assunto traz à memória um período latente da história do Brasil, a Ditadura Militar, regime que aplicava censura às diversas esferas da sociedade. Mas fatos recentes reascenderam a discussão sobre o tema mesmo na democracia. Uma exposição e peça de teatro canceladas após pressões de setores da sociedade civil e alguns grupos organizados, entre eles associações religiosas e o MBL (Movimento Brasil Livre), fazem retomar o questionamento: há censura no Brasil?

A análise do cenário exige uma imersão na história e formação do país. O pesquisador e mestre em História do Brasil, Luís Filipe Brandão, destaca a necessidade de entender que a censura não existiu apenas nos governos ditatoriais, mas faz parte de uma cultura política muito presente no Brasil. “Há historicamente dois tipos de censura mais comuns, a chamada censura de diversões públicas, ou uma censura moral, e a censura política”, destaca.

O pesquisador levanta fatos históricos que perpetraram a história do país e que representam a aplicabilidade da censura moral, por exemplo. Luís Filipe destaca a censura ao filme Je vous salue marie (1985), de Jean Luc Godard, no governo Sarney, ou a um carro alegórico de Joãozinho Trinta que trazia um Jesus mendigo no carnaval do Rio de Janeiro em 1989. “Em todos esses casos, manifestações de cunho moral, ligadas a setores conservadores como a igreja católica, usaram de ferramentas judiciais para conseguir a censura dessas obras. A censura política foi promovida a partir de ferramentas do Estado para contro¬lar a circulação de informações que não fossem favoráveis ao governo”, lembra.


Uma das imagens que era parte da exposição "Queermuseu- cartografias da diferença na arte da brasileira". Foto: Reprodução

Décadas depois, a polêmica que se delimitou em torno da exposição “Queermuseu – cartografias da diferença na arte da brasileira”, a ser exibida no espaço Santander Cultural de Porto Alegre, expõe que essa censura moral não é algo que tenha ficado no passado.

A mostra, que reunia 270 trabalhos de 85 artistas – dentre os quais constam nomes da arte contemporânea e artistas consagrados como Candido Portinari –, foi encerrada pelos responsáveis do espaço Santander Cultural após protestos vindos de setores da sociedade em retaliação ao tipo de conteúdo apresentado. 

E esse fato não ficou isolado. A peça "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu", que teve sessão no Sesc Jundiaí (São Paulo) cancelada por decisão judicial também no último mês, engrossa o coro daqueles que temem por um recorrente cerceamento da liberdade de expressão em pleno estado de¬mocrático de direito.

Na visão de Luís Filipe, tais fatos podem ser explicados ao entender que há uma guinada conservadora global. “Pensadores como Jacques Ranciéré, Giorgio Agamben e Antônio Negri, vêm fazendo uma análise desse processo em que o cerceamento de liberdades, o avanço do discurso e das práticas Neoliberais têm estabelecido um Estado de Exceção permanente, nas palavras de Agamben”, referencia.

Tais fatos apontam para o fato de que, embora abolida pela Constituição Federal de 1988, muitos entendem que a censura permanece assombrando a produção artística no país, ainda que de maneira me¬nos escancarada que nos perío¬dos ditatoriais.

“Depois da “redemocratização”, a censura foi proibida pela constituição cidadã de 1989, mas continuou existindo na forma de perseguição e ações judiciais, agora não mais por ação do Estado (embora com a conivência de setores estatais), mas de grupos organizados em torno de ideias conservadoras”, considera o pesquisador. 

* A matéria completa você confere na edição deste fim de semana do Jornal ODIA

Por: Glenda Uchôa
Mais sobre: