Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

História de um colapso: como a dívida e a credibilidade derrubaram a Abengoa

Abengoa Gilbués

29/11/2015 09:33

Altamente endividada, devido aos investimentos nas renováveis que fez nos quatro cantos do mundo, a Abengoa entrou há um ano numa crise de credibilidade. Agora, arrisca ser a maior falência de sempre em Espanha.

Quinta-feira, 26 de Novembro, a notícia era oficial. A Abengoa, gigante espanhol das energias renováveis, tinha apresentado um pedido de protecção de credores e estava a ameaçar Espanha com a maior falência da história do país.
Nos últimos dias têm-se multiplicado no país vizinho apelos dos partidos políticos, do Governo e do Executivo andaluz para que os bancos encontrem uma solução para salvar o grupo industrial, a braços com um passivo de mais de 20 mil milhões de euros. É que em causa estão 28 mil postos de trabalho.
O colapso da Abengoa tem feito manchetes em Espanha. Como é que um grupo com quase 75 anos de história, presente em 80 países, que ainda a meio deste ano anunciou uma subida dos lucros semestrais, sucumbiu? Decisões empresariais erradas e falta de prudência financeira são razões apontadas para o desastre desta multinacional.
As fragilidades já lá estavam. O recuo do grupo Gestamp na intenção de investir 350 milhões de euros e segurar a Abengoa apenas precipitou o colapso. A notícia provocou a fuga de investidores e em dois dias as acções da empresa com sede em Sevilha desvalorizaram 70%. O grupo viu-se sem o único "salvador" que lhe tinha aparecido com um plano para não avançar com o procedimento para obter a protecção de acções judiciais de credores. Agora tem quatro meses para encontrar uma solução.
A Abengoa chegou à situação a que chegou com um passivo total da ordem dos 25 mil milhões de euros, dos quais quase nove mil milhões de euros são dívida a instituições de crédito e 5,5 mil milhões de euros a fornecedores. A multinacional tem ainda obrigações emitidas no valor de 2.700 milhões de euros.


A empresa endividou-se a níveis considerados agora "insuportáveis" para financiar grandes projectos na área das energias renováveis, desde Sevilha, cidade onde tem a sua sede, até aos Estados Unidos.

As dúvidas da solidez financeira e da viabilidade do grupo adensaram-se nos últimos meses. Aliás, há precisamente um ano, começou a sua crise de credibilidade.

Crescimento internacional continuava


Ao longo do ano passado, o grupo sevilhano, conhecido também pelo desenvolvimento de soluções tecnológicas para os sectores da energia e do meio ambiente, continuava num processo de crescimento da sua dimensão internacional, anunciando projectos nos Estados Unidos, Índia, Chile, Marrocos, Abu Dhabi e Reino Unido. Até a sua subsidiária Abengoa Yield se estreava no Nasdaq.


Mas em Novembro de 2014 começaram os problemas do grupo. As acções da Abengoa afundam 49% em bolsa apenas numa semana, com a agência de rating Fitch a pôr em causa a dimensão do seu endividamento.


Nesse mês, na apresentação dos resultados trimestrais, a desconfiança sobre os valores da dívida apresentados pelo grupo disseminou-se entre os investidores. Além do gigante espanhol ter então reconhecido que ia facturar em 2014 menos do que o que tinha previsto, a Fitch divulgou uma nota alertando que, segundo os seus cálculos, a alavancagem da empresa (rácio da dívida sobre o EBITDA) era quase o dobro do que esta tinha anunciado.

Segundo relatava na altura o jornal El Pais, "o declínio das expectativas e a classificação atípica da sua dívida ficou na cabeça dos investidores". Nas 48 horas seguintes a cotação das acções caiu quase 50%. Mas não só. Dispararam os custos de cobertura da sua dívida. E os seus responsáveis, a começar pelo então CEO Manuel Sanchez Ortega, foram forçados a multiplicar-se para dar explicações e conter o desastre.


Deloitte alerta 

A primeira medida, na madrugada de um sábado, foi o envio ao regulador do mercado espanhol, a CNMV, de um relatório de revisão limitada das suas últimas contas da Deloitte, onde era dito não haver indícios de que as contas não tivessem sido elaboradas conforme as normas internacionais. Acrescentava-se, contudo, que aquele documento não continha toda a informação que requerem uns resultados financeiros consolidados completos e alertava não se tratar de uma auditoria às contas.

Aos analistas, o grupo tecnológico e energético insistia que as contas reflectiam a realidade, mas ainda assim avançou com umplano para atenuar a confusão que incluía canalizar 601 milhões de euros de caixa para recomprar títulos a preços correntes. "Mal entendido" por parte dos mercados, disse a empresa. "Contabilidade criativa", apontaram analistas, noticiou então o jornal espanhol.


Alguns analistas aceitaram as explicações prestadas pelo grupo e alguns chegaram mesmo a falar de um potencial de revalorização das acções de 300%. Mas outros salientaram o ponto fraco da Abengoa: "o seu nível de endividamento relativo", de 9.022 milhões para receitas estimadas para 2014 em 7.500 milhões no melhor cenário, segundo a companhia. Chegavam a rácios de alavancagem ainda maiores e avisavam que a empresa tinha "necessidades de capital muito intensivas e grandes dificuldades de gerar caixa".


Em Maio deste ano, Manuel Sánchez Ortega, um dos CEO das cotadas espanholas nos tops dos mais bem pagos em 2013, deixou a presidência executiva e em Julho o grupo anunciou um aumento de 5% dos resultados líquidos do semestre para 72 milhões de euros.


A sucessão de acontecimentos que culminaram na crise actual precipitou-se em Agosto. No início desse mês, a empresa andaluza anunciou um aumento de capital em 650 milhões de euros, apresentado no âmbito de um plano para reduzir a sua dívida e vender activos. O anúncio provocou nova hecatombe na bolsa, onde os títulos recuaram 30%. O conselho de administração veio então explicar que os fundos destinavam-se a ser utilizados na redução da dívida corporativa em 300 milhões de euros e no fortalecimento dos seus fundos próprios.


A Abengoa lançava adicionalmente um novo plano de desinvestimento no total de 500 milhões de euros. A administração prometia rever e submeter à aprovação um plano estratégico com objectivos anuais de fluxos de caixa assim como limites máximos de investimento para os próximos anos com o objectivo de melhorar o "rating".

Uma semana depois anunciou estar à procura de investidores para dissipar as dúvidas dos mercados sobre a sustentabilidade da sua dívida, que no final de Junho já ascendia a 6.669 milhões.
Mas parecia ser já tarde de mais. A capacidade do seu principal accionista, a Inversión Corporativa (o veículo através do qual a família Benjumea controlava a empresa) para ir ao aumento de capital era questionada e a imprensa dava conta dos receios que a crise fosse transferida para a actividade real da Abengoa. "Se as dúvidas da comunidade financeira sobre a viabilidade da empresa se contagiam aos bancos que lhe asseguram liquidez e aos organismos que lançam concursos para projectos de infra-estruturas, o problema será ampliado até um ponto insustentável", referia então um analista ao El País.
Para agravar os problemas do grupo, surgem notícias de uma investigação à Abengoa e seus responsáveis por uma alegada violação da leis federais nos Estados Unidos, acusados de enganarem o mercado sobre a verdadeira situação financeira do grupo desde Novembro de 3014.


É em Setembro que a crise na Abengoa faz rolar a cabeça do seu presidente Felipe Benjumea, há 25 anos no cargo. Uma saída exigida pela banca para apoiar uma solução para o grupo, altamente endividado e a perder a credibilidade nos mercados.


A empresa acordou então deixar de pagar dividendos, limitar os investimentos e vender activos por 1.200 milhões de euros para reduzir a dívida, incluindo toda ou parte da sua participação na Abengoa Yield. Com isto conseguiu pontualmente um apoio para levar para a frente o aumento de capital e salvar a empresa.


Entre os activos que pôs então à venda estavam as unidades de cogeração no Brasil e México, uma de ciclo combinado na Argélia, concessões hospitalares no Brasil e México, fábricas de dessalinização na Argélia e no Gana, uma central solar na África do Sul e outra nos Emiratos e várias fábricas de biocombustíveis.


A família Benjumea, um apelido que se tornou habitual nas listas das grandes fortunas de Espanha, perdia o controlo da companhia fundada pelo patriarca, Javier Benjumea Puigcerver, há quase 75 anos para fabricar contadores eléctricos.


A sucessão de más notícias parecia ter terminado no início deste mês de Novembro, altura em que a Gonvarri, filial do grupo industrial basco Gestamp, assumiu o compromisso de investir um total de 350 milhões de euros e ficar com 28% do capital da empresa. A entrada deste sócio industrial, anunciada em comunicado, surgia como a solução para estabilizar a empresa andaluza. O acordo ficou contudo sujeito a determinadas condições, designadamente que o grupo conseguisse refinanciar as suas linhas de crédito. A Gestamp tinha solicitado aos bancos créditos entre 1.000 e 1,500 milhões de euros, o que não foi aceite, provocando a ruptura no acordo.


Quarta-feira, o recuo do grupo da família Riberas (uma das maiores fortunas de Espanha) deitava por terra a compra e a salvação da Abengoa. Só a sua entrada na companhia travaria o recurso da empresa andaluza à protecção de credores. Insolvente, deu esse passo um dia depois.

Agora, aquela que era a gigante espanhola das renováveis tem quatro meses para negociar com os mais de 200 credores, entre os quais três bancos portugueses (que segundo o Expansión têm uma exposição de 75 milhões de euros). Será a Abengoa demasiado grande para cair? 

Fonte: negócios.pt
Edição: Henrique Guerra
Por: Henrique Guerra
Mais sobre: