Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Menos ultrapassagens, pit stops e táticas ousadas: as corridas em 2017

Pilotos e diretor da Pirelli explicam como serão as provas da temporada atual da F1

09/03/2017 15:59

A opinião é unânime depois de quase seis dias de testes com os modelos de 2017: as corridas este ano serão diferentes. “Haverá menos ultrapassagens”, afirma Lewis Hamilton, da Mercedes. No treino desta terça-feira, Felipe Massa, da Williams, depois de completar 168 voltas no Circuito da Catalunha, em Barcelona, e estabelecer o melhor tempo do dia, deu detalhes do que isso quer dizer: “Eu fiquei várias voltas atrás do carro da Sauber, virando 1,5 segundo mais rápido, e não conseguia ultrapassá-lo”.

Felipe Massa, Williams, na cola de Marcus Ericsson, da Sauber (Foto: Getty Images)

A revisão conceitual introduzida pelo novo regulamento, este ano, tem como grande objetivo elevar a importância do piloto e reduzir a da unidade motriz no resultado da competição. Por isso os carros se tornaram bem mais rápidos, elevando o limite da pilotagem. Ao aumentar a largura do chassi e a extensão do difusor, porção final do assoalho, a eficiência aerodinâmica do projeto ganhou peso bem maior que nas três últimas temporadas, as da tecnologia híbrida.

Mas há outro fator nessa história tão importante ou mais para explicar o que assistiremos já a partir do GP da Austrália, etapa de abertura do mundial, dia 26, em Melbourne: os pneus. Seu peso no êxito do novo regulamento é enorme. Foram também revistos. Eles se tornaram 6 centímetros mais largos na frente, passando de 245 para 305 mm, e 8 centímetros atrás, de 325 para 405 mmm. Estão 25% mais largos. 

Parte da maior dificuldade para ultrapassar relatada pelos pilotos na pré-temporada provém da maior aderência proporcionada pelos novos pneus, o efeito colateral de tornar os carros cerca de cinco segundos mais rápidos.

O GloboEsporte.com entrevistou com exclusividade o novo diretor de competições da Pirelli, Mario Isola, no Circuito da Catalunha. Na conversa ele procura explicar como deverá ser o desenvolvimento das corridas nessa nova F1. “Tenho me reunido com pilotos, chefes de equipe, estamos decifrando os desafios que o regulamento nos impôs e posso dizer que é fascinante, há muita coisa em jogo”, disse Isola.

O exemplo de Schumacher

O repórter do GloboEsporte.com contou ao técnico italiano o que Michael Schumacher lhe disse, durante entrevista, no fim de 2012, o seu terceiro ano depois de voltar a disputar a F1, pela Mercedes. Seria o seu último. O piloto alemão não foi bem. Perdeu e por muito a concorrência para o companheiro de equipe, Nico Rosberg. 

E não só pelo fato de ter, na época, ter 43 anos e Rosberg, 27. Schumacher somou 49 pontos e terminou em 13º. Já Rosberg obteve 93 pontos, venceu o GP da China e ficou em nono no campeonato. Só lembrando, Schumacher já tinha sete títulos mundiais.

"Eu não me encontrei com essa F1 onde você tem de economizar os pneus, não poder acelerar tudo logo de cara para não danificá-los. Fui educado numa F1 onde não era preciso me preocupar em administrar o desgaste dos pneus, dos freios, o consumo de gasolina. Eu largava, dava 18 voltas em ritmo de classificação, com o carro leve. Fazia o pit stop, reabastecia e colocava pneus novos, para mais 18, 20 voltas, sempre tirando tudo do carro, e fazia o mesmo mais uma ou duas vezes, até a bandeirada. Nesse tipo de competição acho que eu era eficiente”, explicou Schumacher.

Michael Schumacher Mercedes GP do Brasil (Foto: Agência Reuters)

Quando a Pirelli entrou na F1, em 2011, esse modelo de disputa foi abandonado por completo. Paul Hembery, então diretor de competições da empresa italiana, explicou: “Fomos chamados pelo senhor Bernie Ecclestone que exigiu pneus com elevado grau de degradação para que as corridas se tornassem menos previsíveis, houvesse maior número de pit stops, introduzissem o inesperado”. Hembery falou mais: “Nossos pneus acatam o pedido das lideranças da F1”.

Volta tudo ao que era antes

E no ano passado o mesmo Hembery contou ao GloboEsporte.com: “Fomos chamados de novo”, disse, rindo. “Mas para fazer algo completamente oposto do que fazíamos. As lideranças da F1 (provavelmente se referia ao Grupo de Estratégia) querem que nossos pneus permitam aos pilotos acelerar tudo da primeira a última volta, não apresentem mais desgaste rápido, não exijam do piloto a necessidade de dosar seu ritmo para economizá-los.”

Isola assumiu a direção da Pirelli nesta terça-feira. “É isso, os pneus que distribuímos aqui em Barcelona, e será assim ao longo das 20 provas, obedecem esse propósito.” Eles representam uma volta à F1 em que Schumacher podia expor o seu melhor, o seu lado velocista. 

“Há algo ainda melhor nesses pneus de hoje. Se um piloto está lutando com outro e os superaquece, ele pode reduzir um pouco o seu ritmo e em poucas curvas voltar a exigir tudo, por eles se recomporem rapidamente, voltam a oferecer a mesma aderência de antes”, disse Isola. 

Existe, sim, um novo exame de seleção na F1. O piloto que melhor se expressa nesse formato, acelerar tudo o tempo todo, tende a ser privilegiado. “Eu posso citar Lewis Hamilton. Ele precisou de um tempo para se adaptar aos pneus de elevada degradação que nos pediam para fazer. Reclamou tanto no início. Mas depois entendeu como tirar o máximo deles.”

Mario Isola com Sebastian Vettel no GP de Cingapura (Foto: Getty Images)

Agora é outra passagem, segundo o italiano. “Estamos fazendo o caminho inverso. É um outro cenário. Alguns pilotos terão, também, de se adaptar a essa nova realidade. Mas tenho conversado com eles e o que me sinalizam é estarem felizes com a constância do novos pneus, por lhes dar a chance de deixar fluir seus instintos naturais de piloto.”

Há espaço para algumas surpresas nesse sentido? “Não excluo a possibilidade. Pode ser, sim, que descubramos o real valor de um piloto que até o ano passado não tinha como aparecer, também por essa razão, seu estilo não casar com a exigência de ter de administrar o desgaste dos pneus.”

Por que menos ultrapassagens?

O diretor da Pirelli explica: “Esses carros são mais largos, assim como os nossos pneus. Há maior drag (resistência ao movimento), eles estão chegando um pouco mais lentos no fim das retas, temos os dados de velocidade para analisar”. 

E prosseguiu: “Como a velocidade de aproximação da curva é menor e a área de contato do pneu com o asfalto, maior, o espaço de frenagem tornou-se menor. É por isso que as ultrapassagens, também, estão mais difíceis.

Lance Stroll, Williams (Foto: Reuters)

Massa acrescentou que o carro posicionado atrás perde muita pressão aerodinâmica, os fluxos de ar que passam a incidir sobre os aerofólios, em especial, estão em turbulência, por já terem percorrido o monoposto colocado à frente. Isso reduz a capacidade de os aerofólios gerarem pressão aerodinâmica. “Numa curva você é obrigado a ficar mais distante do carro a sua frente, caso contrário pode perder o controle.”

Ao se manter mais longe do adversário à frente, os dois entram na reta separados por uma distância que torna difícil a aproximação para tentar a ultrapassagem, mesmo com o uso do DRS, o flap móvel. E a reta de Barcelona é uma das mais longas do calendário, com 1.070 metros, para se ter uma ideia do quão difícil está ultrapassar hoje na F1.

Menor possibilidade de estratégia

Esse quadro transfere para a estratégia de corrida responsabilidade maior para os pilotos ganharem a posição dos concorrentes. E para entender como as estratégias serão definidas nas corridas, este ano, um dado é essencial: “Precisamos saber com precisão qual a diferença de performance entre os tipos que temos, ultramacios, supermacios, macios, médios e duros, na linha dos de pista seca, e intermediários e para chuva intensa, no caso de asfalto molhado. Os times dispõem de todos os tipos no teste.”

O técnico italiano contou que ao saber o quanto, por exemplo, o pneu ultramacio é mais rápido que o supermacio e quanto este permite melhorar o desempenho em relação ao macio, os estrategistas das escuderias poderão começar a estudar qual a melhor estratégia para cada GP.

Pneus Pirelli para 2017 (Foto: Divulgação)

“Eles começaram a exigir nestes testes um pouco mais dos carros e dos pneus para descobrir exatamente esses dados. E eles nos interessam também porque usamos carros diferentes dos que estão agora na pista nos testes de desenvolvimento desses pneus”, explicou Isola. “Eram adaptados para gerar maior pressão aerodinâmica, mas não atingiam o nível dos atuais.”

Muito do que acontecerá na corrida já no Circuito Albert Park, em Melbourne, tem a ver com a diferença de performance entre os tipos de pneus definidos para o GP da Austrália, os ultramacios, supermacios e os macios, agora em estudos pelos engenheiros no ensaio de Barcelona. A Pirelli vai divulgar os dados, as diferenças médias entre os tipos verificadas no teste.

Menos pit stops

“É preciso ter em mente que como os pneus têm maior vida útil, se degradam menos, se o piloto fizer o pit stop e voltar a pista seus tempos de volta não vão melhorar muito, pois a diferença entre os tempos dos pneus já gastos e os novos não será grande como até o no passado. E ir para o boxes implica perda de tempo importante”, falou Isola. 

Em outras palavras, as corridas terão, pela sua análise, menos pit stops. “Os macios, agora, estão durando mais que os duros do ano passado”, afirmou Massa depois de percorrer o equivalente a 2,5 Gps nesta terça-feira.

Vá somando: menos ultrapassagens e menos pit stops, provavelmente, em 2017.

Pit stop da Williams, nos testes de pré-temporada (Foto: Reprodução)

“Mas manteremos o sistema elogiado por todos de disponibilizar três tipos de pneus para cada piloto nos GPs. Pode ser que isso venha a introduzir um elemento de incerteza durante as corridas, gerar alguma surpresa como vimos até mesmo nas provas finais do campeonato do ano passado”, diz o italiano.

Assim que as equipes tiverem mais dados sobre o comportamento dos pneus, elas voltarão a fazer os pedidos dos dez jogos de pneus desejados para cada um dos seus pilotos, como em 2016. Como elas começaram a conhecer os pneus na semana passada, no início da pré-temporada, essa escolha foi feita pela própria Pirelli e pelos comissários da FIA. É a mesma para todos os pilotos. Na etapa de Xangai, segunda do ano, os pneus serão os supermacios, macios e médios.

Menor sensibilidade à variação de temperatura

Outra importante mudança nos pneus de 2017 e fruto de solicitação dos pilotos é o aumento da faixa de temperatura em que oferecem seu grau máximo de aderência. Fazer o pneus trabalhar nessa faixa tornou-se um desafio nos últimos anos e explicou algumas superadaptações de certos carros a determinadas pistas enquanto em outras, nem tanto. 

“Esse aumento da faixa de temperatura não era possível com os pneus de 2016. Para obter esse efeito, partimos para um projeto completamente novo, arquitetura e materiais empregados na produção, um nova filosofia o orientou”, explica o diretor da Pirelli. Os testes indicam importante melhora no comportamento dos pneus nesse sentido, menor sensibilidade às menores variações de temperatura ambiente e do asfalto.

Nem todos têm consciência, contou Isola, do desafio que é produzir pneus para a F1 quando há uma mudança radical do regulamento como agora. “Aqui em Barcelona os engenheiros estão começando a descobrir o que faz seus carros serem mais rápidos. E a margem de desenvolvimento é enorme, por tudo ser novo.” 

Ele segue o raciocínio: “Esses mesmos carros em Suzuka, por exemplo, final do campeonato, apresentarão performance bem maior da que estamos vendo aqui. Mas nossos pneus serão os mesmos. Assim, precisamos projetar um pneu que vá atender o nível de solicitação de Suzuka”. Lá as acelerações a que os pneus estarão submetidos serão bem mais severas. 

Por fim, Isola concorda que o aumento da velocidade dos carros, em curva, este ano, não está tendo um aumento correspondente de algumas áreas de escape de maior necessidade. Charlie Whiting, delegado de segurança da FIA, tem procurado melhorá-las onde há ainda algum espaço na área disponível nos autódromos.

Fonte: Globo Esporte
Mais sobre: