Quarta-feira, 15 de março de 2017. Bruno chega andando ao Estádio do Melão, em Varginha, acompanhado por dirigentes e seu empresário. No caminho, é tietado por alguns fãs do Boa Esporte, time da segunda divisão de Minas Gerais que o contratou após 6 anos e 7 meses preso pela morte da ex-namorada Eliza Samudio. Atualmente com 32 anos, o ex-goleiro do Flamengo está longe de ser uma unanimidade na cidade e no clube, que sofreu com protestos de moradores e perdeu os principais patrocinadores. Mesmo assim, chega a ser cercado para fotos e autógrafos a caminho da arquibancada, onde assiste à vitória do seu novo time por 2 a 0 sobre o Araxá.

^{Luke McCormick chega ao estádio Home Park, na Inglaterra. (Foto: Felipe Rocha)}

Sábado, 18 de março de 2017. Luke McCormick chega ao estádio Home Park, na Inglaterra, de carona com um amigo. No Plymouth Argyle, da quarta divisão inglesa, os jogadores vão para as partidas em casa por conta própria, não há um ônibus do clube. Aos poucos, torcedores o abordam para fotos. Incluindo crianças. Ele atende um por um, pacientemente. O goleiro de 33 anos entra em campo contra o Morecambe e, segundo o locutor oficial, dois dos cinco meninos escolhidos como mascote o escolheram como atleta favorito. Titular, ajuda sua equipe no triunfo de 1 a 0.

Morte, prisão e retorno ao futebol: goleiro inglês tem trajetória parecida à de Bruno

Dois goleiros, duas histórias com algumas semelhanças e dois retornos polêmicos ao futebol. Bruno foi condenado a 22 anos e três meses de prisão em 2010 pelo assassinato e ocultação de cadáver de Eliza Samudio, além do sequestro e cárcere privado do filho Bruninho – cumpriu quase sete anos e saiu com habeas corpus no dia 24 de fevereiro. McCormick pegou 7 anos e 4 meses em 2008 pela morte de dois meninos, de 8 e 10 anos, em um acidente de carro. O atleta havia consumido bebida alcoólica e dormiu no volante – cumpriu metade da pena (3 anos e 8 meses) e saiu por bom comportamento em 2012. Enquanto o brasileiro jamais assumiu diretamente sua culpa na morte da então namorada e, por consequência, jamais se declarou arrependido, o jogador inglês pegou o caminho contrário desde o início.

Estas foram as palavras de Luke McCormick às pessoas que testemunharam o violento acidente envolvendo dois carros. O impacto da colisão acordou o então goleiro do Plymouth Argyle. Era madrugada de sábado, em junho de 2008. Aos 25 anos de idade, McCormick tinha curtido a noite em uma festa de casamento. Antes do dia amanhecer, ainda sob os efeitos do álcool, pegou a estrada para encontrar a namorada. No outro carro, estavam Philip Peak e seus dois filhos, Arron e Ben. As crianças morreram, o pai está em uma cadeira de rodas.

O atleta inglês foi condenado a 7 anos e 4 meses de prisão. A legislação inglesa prevê que réu primário e com bom comportamento seja solto após cumprir metade da pena. A liberdade vem sob algumas condições, entre elas, não deixar o Reino Unido até que a pena seja completamente cumprida. Hoje, ele é goleiro e capitão do Plymouth Argyle. O GloboEsporte.com acompanhou a vitória da equipe por 1 a 0 sobre o Morecambe, pela 38ª rodada da League 2, a quarta divisão da Inglaterra.

Na loja oficial do clube, há poucos produtos relacionados ao “Super Luke”, como é chamado pela torcida do Argyle. Uma máscara com o rosto do goleiro, que custa 6 libras esterlinas (cerca de R$ 22) e uma foto oficial são os únicos itens à venda. A procura por esses produtos é semelhante à dos outros jogadores, segundo um dos vendedores. Mas a popularidade do arqueiro está em alta no clube e com a maioria de seus torcedores. Na recepção do prédio administrativo do estádio, uma foto de corpo inteiro de Luke decora a parede.

- Ele é o nosso capitão e a torcida o ama. Ele é um bom embaixador para o clube. É um grande goleiro. Amadureceu em diversos aspectos depois do que aconteceu em sua vida - diz um torcedor.

Porém, nem todos concordam com a presença dele nos gramados.

- Como pai, acho que jamais poderiam ter permitido o seu retorno ao futebol. Para ser idealizado como um herói. Não posso aceitar e perdoar o que ele fez - argumenta outro torcedor.

Quando McCormick saiu da prisão, em 06 de junho de 2012, véspera do quarto aniversário da morte dos irmãos Peak, o futebol lhe abriu as portas rapidamente. O Swindon Town, clube que estava na terceira divisão inglesa e era treinado à época pelo italiano Paolo Di Canio, propôs um período de testes ao goleiro. De lá, McCormick teve uma passagem por um clube amador, antes de ser contratado pelo Oxford United, então na quarta divisão. Um ano após ter deixado a prisão, ele voltou ao mesmo lugar onde estava antes do acidente: debaixo das traves do Plymouth Argyle.

^{Luke McCormick chega para seu julgamento em 2008: condenado a 7 anos e 4 meses de prisão (Foto: AFP)}

Mas a trajetória de McCormick, inevitavelmente, ganhou um antes e depois. A seu nome foi incorporado um aposto de memória inabalável. Todas essas passagens de sua vida pós-acidente geram um enorme debate na Inglaterra. Os ingleses se fazem muitos dos questionamentos morais que também são feitos no caso do goleiro Bruno e do Boa Esporte.

Ao recontratar o goleiro, em 2013, o clube inglês convocou a imprensa para uma entrevista coletiva. McCormick, que é casado e pai de um menino que nasceu enquanto esteve preso, falou sobre o crime, mostrou arrependimento e pediu desculpas. Depois disso, passou a ser preservado pelo clube e raramente concede entrevistas. Nas últimas que concedeu, o futebol foi o único tema abordado. Para a imprensa local, o passado do goleiro é uma espécie de fronteira indesejada para uma má relação com o clube da cidade. Alguns jornalistas locais abordados pelo GloboEsporte.com só aceitaram conversar sob a condição de não serem identificados.

- Ainda há muita agressividade com ele. Principalmente, nas redes sociais. É chamado de criminoso, assassino. Nos jogos fora de casa, também segue sendo muito provocado pelos torcedores - diz um repórter de um jornal de Plymouth.

Em Plymouth, o passar do tempo tem diminuído os ruídos. Mas o retorno de Luke McCormick ao futebol profissional sempre será um assunto polêmico. Daqueles que polarizam os debates. Daqueles que parecem não ter meio do caminho.

Em Varginha, Bruno ainda nem entrou em campo, mas sua presença no Boa Esporte gerou polêmica desde a assinatura de contrato no dia 10 de março. O goleiro foi solto em 24 de fevereiro após o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ter concedido um habeas corpus ao ex-camisa 1 do Flamengo, que aguardava há quase quatro anos a análise do processo em segunda instância.

Com Bruno no elenco, o Boa Esporte ganhou espaço na imprensa, mas perdeu apoio financeiro: cinco patrocinadores deixaram o clube por causa da contratação. Até a prefeitura de Varginha estuda encerrar a parceria com o equipe, o que a obrigaria a mudar de cidade. Enquanto isso, Bruno segue treinando e ainda sem data para voltar aos campos profissionalmente.

^{Bruno posa para selfies com crianças após treino do Boa Esporte, em Varginha (Foto: Alex de Jesus/O Tempo/Estadão)}

Fonte: Globo Esporte