O sexo sob um viés descomplicado e naturalmente poético. É dessa forma que Tom Zé fala
sobre o assunto, ainda considerado tabu na sociedade, em seu recente trabalho “Canções Eróticas
de Ninar – Urgência Didática”. As composições refletem de um retrato biográfico permeado das
descobertas sexuais da adolescência do músico. A partir de toda sua irreverência, um dos ícones
da Tropicália desvela nas letras experiências de forma delicada e bem-humorada e com sua já
conhecida musicalidade fértil. O disco, lançado ainda no ano passado, celebra toda a carreira do
músico e seus 80 anos.
Para apresentar “Canções Eróticas de Ninar – Urgência Didática”, Tom Zé faria show em Teresina hoje e amanhã, dias 27 e 28 de janeiro, no Theatro 4 de Setembro. A apresentação, entretanto, segundo a produção local, precisou ser adiada por problemas de saúde do artista. A entrevista
que O Dia fez com o músico, antes da notícia sobre o adiamento da sua vinda a capital, você leitor
confere a seguir. Para mais informações sobre a nova data ou o reembolso dos ingressos, o público pode entrar em contato através dos telefones (86) 99511-4579/(86)98811-4224.
Na época, a Tropicália se
estabeleceu como um movimento sólido de expressão artística em meio a
questões políticas. Acredita que a música hoje possa
assumir esse papel questionador e provocador diante
do momento político que
atravessamos? De que forma?
Claro que é possível, assumindo as cores e características da fase presente. Não é
possível prever formas que tomará, é possível, como
se diz, responder a seu tempo fazendo a antítese dele.
Você já cantou ao lado de
nomes como Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia e Gilberto Gil. Juntos
construíram um legado na
música popular brasileira.
Pra você, qual a
essência e a identidade da
música brasileira e de que
forma ela pode ser vista hoje
em nomes e composições
contemporâneas?
Reafirmo que aprendo
com os jovens, eles desembarcaram há menos tempo
no planeta, confio no ineditismo da sensibilidade deles.
Tenho admirações declaradas por compositores
como Luiz Tatit – que
maravilha!, a linguagem
coloquial paulistana que
ele usa, um contraponto
à de Adoniram Barbosa, por
exemplo – por grupos como
O Terno, Trupe Chá de Boldo, por Emicida, Criolo, José
Miguel Wisnik. Tão diferentes entre si, insuflam o interesse da gente.
Ao longo de sua carreira, as
músicas foram sendo experimentadas. Como sua música de alma nordestina foi
ganhando ares pop? Como
você a define hoje, depois
de atravessar várias fases?
Meu caro, gostaria de facilitar o trabalho dos críticos, que se põem em xeque
para definir o que eu faço.
Um estrangeiro ( Jon Pareles, The New York Times)
me chamou de “matemático-roqueiro” e eu, um simples
natural de Irará, vejo que é
pertinente tal aproximação
desses dois polos. Mas o
que me fundamenta são os
cantos de trabalho da minha
terra, as vozes das lavadeiras
de Irará, que tentei reproduzir em discos – “Parabelo”,
do Grupo Corpo, é um deles
– e o pulsar do mundo que
me cerca, a música da selva
urbana.
“Canções eróticas de ninar
- Urgência didática” reflete um pouco sobre
sua própria vida e
experiências. Como
você as leva para esse
novo trabalho?
Desde o meu primeiro disco (“Tom Zé – Grande Liquidação” ) ,
o que está a
meu redor
se converte
em propulsão. Em “Canções Eróticas de
Ninar” a memória
atua, falando do segredo de polichinelo que
havia em torno do sexo, durante minha infância e adolescência. E olhe lá, Freud
já influenciava, já era histórico. Até hoje, a sacralidade
e a vulgaridade são polos
que se chocam, no trato
com o assunto.
A quais as principais memórias esse disco lhe remete?
Curioso e oportuno você
perguntar: uma das músicas de letra que dizem ser
mais ousada é “Dedo”. Sabe
qual é a gênese dela? Eu
ficava no meu quarto, na
casa de meus avós, e as meninas, em outro aposento,
na maior animação, faziam
rimas eróticas bem pessoais
e atrevidas. Guardei-as na
memória, até hoje ouço
aquelas vozes e nasceu essa
canção.
Podemos dizer que é um
trabalho de certa forma
biográfico?
São bem biográficos os
meus discos. A influência
do meu momento de vida,
que tece o tema, é determinante em todos eles. O mesmo acontece com “Canções
Eróticas de Ninar”.
Como os assuntos abordados nas canções são
levados para o show, no
palco?
Cada arranjo musical,
cada letra, motivam o palco. Acredito em Grotowski,
que criou o “teatro pobre”,
isto é, atirando sobre o ator,
o performer – no caso, sobre mim, cantor – o sentido de cada peça. Cabe ao
corpo, à voz, aos sentidos, a
encenação.
O sexo ainda é um tabu
hoje na sociedade. Como
você acredita que podemos quebra-lo e passar a
encarar o assunto como ele
é? Porque ainda precisamos falar mais abertamente sobre sexo?
Em pergunta anterior eu
comentei com você a fusão
de sacralidade e vulgaridade
contida no sexo. Dar conta
dessa dicotomia, expressá-
-la em sua verdade ou tentar
encontra-la, é de alta complexidade. E a civilização faz
do assunto uma cebola, com
capas, capas e mais capas:
luxo, ultraje, ofensa, acidez,
vida, deslumbramento.
Hoje vemos muitas canções atualmente que tratam da mulher e do corpo
feminino como um objeto.
Para você, como essa forma de tratar sobre o sexo
na música pode ser prejudicial?
Ao fazer o disco “Canções
Eróticas de Ninar”, tomei
cuidado para que a mulher
não fosse agredida, o que
muito acontece ao tratar
uma temática sexual. Por
mais contundente que sejam as questões sexuais, é
muito importante não ferir
a mulher, ninguém tem esse
direito.
Sobre suas experimentações com os sons e instrumentos alternativos, como
acontece esse processo de
criação, algo intuitivo ou
fruto de um estudo prévio?
Penso em trabalho quase
o tempo todo, em muitas
horas do dia. Ressoam no
meu dia, sons e instrumentos que me alcançaram na
Escola de Música da Bahia,
aquela escola de uma sofisticação ímpar no mundo. Fui
aluno de Koellreutter, de
Ernst Widmer, de grandes
professores-criadores. Eles
me preservaram e desenvolveram a coragem da experimentação, de uma curiosidade que já levei pra escola.
Quais lembranças lhe vêm
a cabeça quando lembra
de Torquato Neto?
Ah, Torquato, que saudade! Na época, era a pessoa
de quem eu era mais próximo, no grupo. Aquele amigo com quem a gente combina almoçar, com quem
as conversas eram longas e
estimulantes. Uma vivência
que calou fundo nos meus
afetos.
O que ainda falta fazer
como artista? Quais os
próximos dados que pretende dá na carreira?
É um dom, não saber qual
o próximo passo a escolher
na carreira. Tenho algumas
ideias, o ninho das ideias não
costuma se esvaziar, mas não
me tire a surpresa, eu também quero saber qual caminho tomar, a seguir.
Por: Yuri Ribeiro