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Alvo de preconceito, Lea T. fala de depressão: "Pensei até em suicídio"

Antes de revolucionar o mundo fashion como a primeira transexual a se tornar top model, Lea T transformou a si mesma. Enfrentou o preconceito, a depressão e uma cirurgia de mudança de sexo.

22/03/2017 14:25

Dona de uma trajetória única, Lea T. quer ser uma inspiração para mulheres como ela. Sua história poderia ser uma versão moderna de um conto de fadas. No entanto, em sua fábula particular, o sapatinho não é de cristal e a fada madrinha é um estilista italiano que transformou a gata borralheira em modelo internacional. Não sem antes ter enfrentado a rejeição social, a depressão e ter até pensado em suicídio. “Estou mais para bruxa que para princesa. Tenho esse cabelão preto enorme, sou magra demais e me visto com roupa larga”, ironiza Lea, fenômeno do mundo fashion desde 2010, quando se tornou estrela de uma campanha de inverno da Givenchy, a grife francesa comandada por Tisci até o mês passado.

Lea T., cover girl da edição de março da Marie Claire (Foto: Gustavo Zylbersztajn (SD MGMT) / Edição de moda: Larissa Lucchese)

Escolhida como uma das embaixadoras da campanha He for She, da ONU Mulheres no Brasil, ela joga luz sobre a dificuldade de se afirmar como trans em um mundo ainda pautado pelo preconceito: "Se uma mulher já é vítima de preconceito, imagine quem precisa lutar para ser reconhecida como mulher?”.

Capa da Marie Claire de março, o mês da mulher, Lea abre o coração sobre os percauços de sua transição e autoaceitação em uma entrevista sincera e emocionante. Confira os principais trechos a seguir. Leia a íntegra na edição que já está nas bancas:

Casca grossa

Fui uma criança casca grossa, não ficava calada ao sofrer bullying. Apesar do meu jeito delicado e frágil, os meninos sabiam que eu era terrível. Tentavam me excluir, escreviam ‘Leo viado’ na porta da escola lá na Itália... [Lea nasceu em Belo Horizonte, mas foi viver no exterior quando Toninho Cerezo deixou o Atlético Mineiro para jogar na Roma]. Chorava uns dez minutos e reagia. Se um moleque me xingasse, devolvia a ofensa. 

‘Prefiro ser viadinho a gorducho como você!’ [risos]. Sempre fui cabra macho, a mais durona da família. Meus irmãos [o mais velho, Gustavo, e as mais novas, Luana e Lorena] eram crianças tranquilas. Acho que me saí assim por instinto de sobrevivência. Minha mãe agia como se não houvesse nada diferente comigo. Se me flagrasse brincando com bonecas, não me censurava. Quando comecei a deixar o cabelo comprido, aos 14 anos, as pessoas passaram a me confundir ainda mais com uma menina. Era comum entrarmos em uma loja feminina e a vendedora perguntar a ela: ‘Não vai escolher nada para sua filha?’. Ficava um climão no ar... Mas aí a mamãe se fazia de desentendida, fingia que não tinha ouvido. Quando lhe contei que era trans, ela não se chocou. No fundo, meio que sabia. Sua preocupação maior era: ‘Que futuro meu filho pode ter sendo assim?’.”

Lea T. usa camisa Ralph Laren e sapatos Arezzo (Foto: Gustavo Zylbersztajn)

Pai famoso

Só me entendi como uma mulher transexual aos 19. Foi tardio, a maioria se assume antes. Eu negava o que já era evidente para todo mundo por causa da responsabilidade de ter um pai famoso. Ainda mais em um meio machista como o futebol. Morria de medo do escândalo que seria quando a imprensa descobrisse que ‘o filho do Cerezo é trans’. Queria ser invisível, trabalhar de um jeito bem low profile na moda, só para pagar meu aluguel. Temia não só por meu pai, mas pela família inteira. Meus tios, primos, avós têm origens simples, todos dependem da ajuda financeira dele. Eu colocaria em risco a estabilidade de todos. Mas meu pai, desde que me abri, foi compreensivo e tentou me dar suporte. Quando a informação sobre quem eu era se espalhou, em 2010, publicaram que eu era renegada por ele, por isso não usava seu sobrenome. Uma mentira! Adotei o ‘T’ para homenagear o Riccardo Tisci, um grande amigo que me abriu todas as portas. A boataria saiu do controle, tinha paparazzi plantado na porta da minha casa em Milão e eu chorava de desespero. Meu pai me ligou, do Brasil, arrasado. ‘Lea, está saindo esse monte de lixo nos jornais, mas não quero que você se magoe. Jamais te excluiria da minha vida.’ No fundo, acho que ele se sentiu meio culpado. Pensava: ‘Se eu não fosse quem sou, minha filha não passaria por isso’.”

Sucesso e depressão

Decidi dar início ao tratamento hormonal [para a cirurgia de redesignação sexual, realizada em 2012] no auge da minha carreira. Então, juntou a fragilidade emocional causada pelos hormônios com o estresse do trabalho. Nos castings, ficava mal ao me comparar às outras modelos. Eram todas deslumbrantes e, ao lado delas, eu odiava ainda mais minha voz masculinizada e meu pezão que não entrava nos sapatos dos desfiles. Também me abalava ao ler os comentários sobre mim na internet. Escreviam que eu era um demônio, que meu pai quis se matar de vergonha... Nessa mesma época, comecei a ter contato com outras trans e conheci meninas que caíram na prostituição, foram espancadas... Tudo isso me fez entrar em um túnel escuro, que me levou à depressão. Pensei até em suicídio. Perguntava-me: ‘Será que vale a pena?’. Tomava antidepressivos, remédios para dormir... Só saí da pior ao buscar ajuda espiritual. Primeiro, no catolicismo, depois conheci o candomblé e a meditação e me encontrei. Hoje, não tomo mais nada e durmo maravilhosamente bem. Tenho minhas horas de tristeza, mas aí rezo. Tento me manter erguida com a fé.”

Fonte: Marie Claire
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