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Após redesignação sexual, Carol Marra se sente 'mulher plena'

"œMeu talento é mais importante do que minha genitália. Não quero ser reconhecida por nenhum rótulo", disse em entrevista

15/07/2017 16:57

Uma borboleta e a palavra ‘liberdade’ estão tatuadas nas costas de Carol Marra. O desenho é em homenagem à história da lagarta – que, depois de sofrer rejeição na floresta, se fecha num casulo e, sai de lá, anos depois, uma linda borboleta – contada por sua mãe na infância.

O conto se assemelha à vida da atriz, que nasceu homem em Belo Horizonte. Hoje, aos 33 anos, a “lagarta peluda”, como ela costuma brincar, tornou-se uma mulher forte, guerreira e destemida. Há exatamente um mês, Carol passou pela cirurgia de redesignação sexual, sozinha. Não contou para ninguém, nem para a mãe.

 Carol Marra em ensaio   feito na semana passada  (Foto:  )

Decidiu abrir, pela primeira vez, sua intimidade a QUEM, para colocar um ponto final nas especulações e seguir, de uma vez por todas, sua trajetória como atriz. “Meu talento é mais importante do que minha genitália. Não quero ser reconhecida por nenhum rótulo. Ninguém precisa me achar bonitinha, talentosa, mas respeito é fundamental e eu exijo. Não quero mais piadinha. Sou mulher e quero meu espaço no mercado de trabalho. Sei que sou competente”.


Foto: Fotos Vivi Pelissari  

À primeira vista

“Sempre tentava imaginar o que sentiria quando saísse da cirurgia e olhasse para baixo. Mas tomei tanta medicação que não consigo lembrar. Só em casa, durante o banho, que parei para ver. Fiquei olhando e não achava diferença. Acho que já tinha absorvido essa realidade antes de vivenciá-la. Não vejo diferença. Eu não mudei, sou a mesma pessoa. Eu só precisava disso para ser condizente com meu discurso de mulher que sou. Sou uma mulher por inteira, plena.”

Complicação

“Estava superpreparada, tinha certeza do que queria. Nem olhei para me despedir (risos). É uma cirurgia cercada de burocracia. Você precisa ter um laudo psicológico, psiquiátrico, endocrinológico e de uma assistente social. Ela é de grande e médio porte, mexe com o trato urinário. Por isso, um cirurgião-geral e um urologista me operaram. Durou 4 horas. Só depois do segundo mês se pode ter relação sexual. Mas vou demorar uns 4 meses ainda, tem que ser especial. Brinco que vou leiloar minha virgindade (risos). Ainda fiquei 22 dias com a sonda urinária e quando tirei, tive ‘bexigoma’. Esse dia, eu pedi para morrer. É uma dor terrível, não estava aguentando. Fiz a cirurgia caladinha, não contei para ninguém. Perdi meu pai em novembro, e não quis contar para minha mãe. Como tudo na minha vida, fiz sozinha. Fui guerreira. Foram dias solitários e difíceis.”

Sororidade

“É uma cirurgia cara para se fazer pelo particular. E pelo SUS é complicado, tem gente que espera 10 anos na fila. E muitas mulheres se mutilam, se matam, pois não aguentam mais viver nesse corpo. Queria ajudar essas meninas a levar minha experiência. Penso até em criar uma ONG, não só pela cirurgia, mas também para ajudar na mudança do nome nos documentos.”

Transformação

“Não foi só uma transformação por fora, mas, principalmente, por dentro (se emociona). Uma semana antes da cirurgia, quis me desprender de valores materiais. Eu era muito consumista, foram anos vendo minha mãe e minha irmã usando roupas, sapatos e eu não podia ter aquilo. O dia em que assumi a mulher que sou, estourei o limite do cartão. Também vi quem são meus verdadeiros amigos. Na hora em que precisei, muitos nem uma mensagem me enviaram, perguntando se eu estava bem.”

Descobertas 

“Nunca fui uma criança como as outras. No colégio, sofria bullying, era a ‘bichinha’, a ‘mulherzinha’. Não podia usar o banheiro, porque os meninos me batiam. Fazia xixi na calça. Não entendia o que eu era. Na adolescência, descobri porque sentia atração pelos namorados das minhas amigas e não pelos meninos gays. Tinha medo de contar para os meus pais, principalmente de acabar na rua, na marginalidade. Eu saía de casa com uma roupa andrógina para não ser identificada como menino ou menina. Não queria agredi-los. Aos 18 anos, escondia umas roupinhas de menina no porta-malas do meu carro. Meu cabelo já era chanel, lisinho, aí passava um batom. Nem cueca usava, eu vestia as calcinhas que tinha. É muito triste a sensação de vôce se olhar no espelho e não se reconhecer. A sensação é de que estava com o sapato trocado. Não tinha o encaixe certo.”

 Carol: “Um dos meus sonhos   é viver da minha arte”  (Foto:  )

Aceitação

“Depois de ter me apaixonado por um menino – que me deixou ao descobrir que era trans –, caí em depressão e procurei um psicólogo. Chamamos os meus pais e contamos tudo para eles. Naquela noite, houve um silêncio. Foi uma semana muito difícil. Minha mãe me disse: ‘Só não quero ver você com roupa de mulher. Eu entendo, você é meu filho, quero que seja feliz, mas se eu ver você assim, não vou aguentar’. Quando fiz minha primeira limpa no armário (ela tirou todas as roupas de menino), a cada roupa que jogava, parecia que estava pegando um alicate e arrancando um pedacinho da pele da minha mãe. Ela chorava muito e eu dizia: ‘Vou ser para sempre o seu filho, só a casca que vai mudar’. Hoje, ela ainda não me chama de Carol, não consegue. Ela é uma senhora de 73 anos, não vou exigir esse tipo de coisa dela. Eu perdi meu pai sem dar um abraço nele. A gente nunca sentou e falou sobre isso. Fui num centro espírita, outro dia, e me falaram que ele estava comigo para pedir perdão e me dar o abraço que nunca deu em vida.”

Relacionamento

“Nunca sabia a hora certa de dizer para o cara: ‘Eu sou trans’. Quero que a pessoa goste de mim primeiro como ser humano. Antes de contar, você é linda, princesa, anda de mãos dadas. A partir do momento em que você conta, vira lixo. Ou te colocam num carro preto para ninguém te ver, porque eles querem, mas querem escondido. Não aceito isso! Não sou marginal. Tenho uma história bonita de superação, de vitória. O cara, para estar comigo, tem que ter orgulho da mulher que sou.”

Projetos

“Um dos meus sonhos é viver da minha arte, é emprestar meu corpo para contar boas histórias e que elas transformem a vida de outras pessoas. Daqui alguns dias, vou viver minha primeira protagonista no cinema, no filme Charlotty, de Philippe Bastos. Também atuei em A Glória e a Graça, com Carolina Ferraz, que está ganhando vários prêmios internacionais, e nas séries Brasil a Bordo, da Globo, Espinosa, do GNT, PSI, da HBO, e Segredos Médicos, do Multishow. Quero fazer bons papéis, quero que os diretores tenham um olhar de carinho e me deem uma oportunidade. Em paralelo à carreira de atriz, terei um talk show na internet. É quase um reality show, porque vou entrevistar uma celebridade, por exemplo, num salão de cabeleireiro. O primeiro gravei com a Luana Piovani.”

Fonte: Quem
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