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O vendedor de picolé

O vendedor de picolé se levanta, olha para o céu e não ver sequer uma nuvem para manchar a imensidão azul

21/05/2015 09:03

Imagem: Google 

Não dá para vender picolé em pleno sol das duas da tarde, por isso, o vendedor larga o carrinho e senta no batente da porta de entrada da Igreja Universal, na Avenida Miguel Rosa. Passa a mão pelo rosto úmido e depois o enxuga com a manga da camisa verde desbotada. Deus é testemunha e deve sentir também, mas o calor excessivo não está fácil para ninguém.

O homem mediano, magro e depauperado, e de cabelos brancos e desgrenhados, folheia um jornalzinho que o obreiro acabara de colocar sobre uma mesa na calçada da igreja. Espera ler, quem sabe, uma noticia que acalme ou amenize seu coração em brasa. Folheia-o, e folheia-o e nada ler, devolve o informativo ao seu local de origem, talvez não tenha afeição à leitura.

Encostado no carrinho de picolé, o sujeito sucumbe ao forte calor, e para distrair-se, brinca um pouco com o sino do carrinho, balança-o para cá e para lá à guisa de meninos que brincam com os guizos de natal. Mas o som reproduzido não afasta o sol que trilha reluzente tarde afora.

Ainda sentado no batente da porta protestante, e próximo ao carrinho de picolé, sua ferramenta de trabalho, o vendedor, quase agonizando de calor, olha de soslaio para a calçada quente de sol, e desanimado reflete: “ainda não dá para seguir viagem”. Depois fixa o olhar para o novo prédio da Secretaria Municipal de Saúde na Avenida Miguel Rosa com a Rua 1° de Maio, onde outrora fora uma loja de móveis caros e reflete de novo: “ninguém consegue ter saúde em terras tão quentes.”

Há um intenso movimento de ir e vir de carros diante de seus olhos, e ele sente inveja dos homens que são conduzidos e ganham a vida no ar-condicionado. Um carro do corpo de bombeiros passa em seguida com a sirene gritando, e o “picolezeiro”, que sua em bicas, deseja que a mangueira do carro esguiche um pouco de água sobre ele, mas logo suspeita, não há água em profusão.   

De repente, o vendedor de picolé se levanta, olha para o céu e não ver sequer uma nuvem branca para manchar a imensidão azul, frustra-se pela a negativa da visão subliminar. Em pé e com ar desolado pensa que chegou à hora de partir, encarar a quentura, o sol excessivamente abrasador e vender os picolés que estão empilhados no carrinho. Precisa vender todos, preferencialmente, não sobrar nenhum, mostrar para o patrão que apesar do sol forte, tem fibra, garra e honestidade escrupulosa.

Põe o braço para fora da sombra, sente que a temperatura ainda está em ebulição, mas precisa ir, mesmo que sofra uma embolia solar, precisa vender o que se propôs vender, mesmo que a pele clara e translúcida sofra queimaduras e fique descorada. E assim o faz, coloca o boné surrado sobre a têmpora, deixa a porta da igreja e sai resoluto a empurrar o carrinho de picolé sob a intensa luminosidade de um sol tropical.

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