Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

A sesta de garis

É o curioso é que nunca cochilam sozinhos, como nômades, estão sempre cochilando em bandos

15/04/2015 10:05

Interessantíssimo é sesta de garis. Já repararam? Depois que devoram uma quentinha, qualquer sombra de árvore vira quarto de hotel cinco estrelas. Não diria que são uns “folgados” por tirar uma soneca em pleno serviço, mas sim homens que comprovam a qualidade de seus serviços, já que só dormem depois que limpam o espaço. E o curioso é que nunca cochilam sozinhos, como os nômades, estão sempre cochilando em bandos.

Uns tiram uma palhinha sobre a enxada que usaram na capina de córregos fétidos, outros tampam a cara com aqueles chapéus de dimensões continentais que cobre toda a cabeça e ainda sobra aba. Outros sequer se deitam, ficam sentados com a cabeça baixa e enfiada por entre os joelhos, e nesta posição aproveitam o cochilo imperturbado. E ainda há aqueles garis que ao invés de esticaram as costas no ladrilho frio ou sentarem de cabeça baixa, permanecem em pé tragando um cigarrinho sossegado, e admirando com deleite as bolhas de fumaça que saem da boca e que logo se dissiparão no ar.

A sesta de garis é ambulante, se ver por toda parte. Os homens da varrição e do limpa aqui, ali, alhures apinham-se em praças e em calçadas de igrejas, e há também os bucólicos que preferem os terrenos sombreados por mangueiras frondosas. Após a hora do almoço, esta hora bíblica, estes sujeitos de farda alaranjada, estes célebres limpadores da sujeira alheia, estes heróis desinfetadores da cloaca urbana, regozijam-se em abrigos a céu aberto, porém, é bom frisar, abrigos limpos, agradáveis e acolhedores.

Gosto de observar a sesta desses combatentes de acúmulo residuais. Apesar de trabalharem arduamente no dia a dia, refestelam-se com pompa debaixo dos copados de ruas e avenidas limpas por eles mesmos, limpam para depois utilizarem. Gosto disso, demonstra respeito ao meio ambiente, respeito pela a conservação da cidade. “Ah, mais eles são pagos para isso mesmo, para deixarem a cidade um brinco”, diriam os nauseabundos pessimistas, e eu vos digo caras pálidas: todos nós somos responsáveis pela coleta seletiva, pela coleta ordenada do lixo, pelo o bem estar da cidade em que vivemos.

Mas isso não vem ao caso, limito-me somente a comentar a sesta de garis. Sou paladino deles, porque são fundamentais para a manutenção das urbes, desde a bituca de cigarros ao papel amassado jogado no chão. Por isso, merecem relaxar harmoniosamente sob as sombras rarefeitas de uma cidade que suja dia e noite, e convenhamos, uma soneca de quinze a vinte minutos não faz mal a alma de ninguém, é até recomendável. Os homens e mulheres da limpeza pública ou terceirizada sabem exatamente do que estou falando, e os que sobem e descem rotineiramente dos estribos de caminhões de odores morféticos, também.

Mas nesses dias chuvosos não tenho os vistos, cessaram com as benevolentes sestas, talvez estejam trabalhando em dobro, já que vivemos tempos de inundações. Todas as vezes que São Pedro resolve abrir as comportas sobre Teresina, é um Deus nos acuda, é sujeira por toda parte, daquelas de tirar o sono de qualquer um, inclusive dos ilustres garis. 

Mais sobre: