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Michelangelo, o Tatuador

Romance inglês conta biografia fictícia de tatuador

05/08/2015 08:50

Este romance foi finalista do Booker Prize, de 2004, e foi também, nesse mesmo ano, que creio tê-lo lido pela primeira vez. Agora, em 2015, onze anos depois, decidi que deveria reler. Encontrei na estante virtual baratinho e comprei. Quando li anteriormente, tinha sido emprestado.

Na minha memória, o livro era lindo e quando terminei, lembro-me de carregar comigo pra sempre aquela história e seus personagens tão humanos, e que, por serem assim, eram também tão estranhos. Pois bem, reli e minhas impressões anteriores continuaram bem fiéis até hoje. O livro é lindo e a escrita é poética e sutil.

O enredo se passa em Morecambe, na Inglaterra, que tem a Irlanda do outro lado do mar, como vizinha distante. O protagonista é o pré-adolescente Cyrill Parks. A mãe tem um hotel que recebe todos os anos hóspedes tuberculosos que acreditam que o ar marítimo da cidade pode proporcionar algum alívio e, quiçá, recuperar a saúde.

Entre escarradeiras e muito trabalho, ao lado da mãe Reeda Parks, Cy vai aprendendo a admirar a compaixão e a dedicação que ela dedica àquelas pessoas. Ainda rapaz, é convidado a trabalhar com o gravurista da cidade e, por desenhar muito bem, acaba atraindo a atenção do tatuador local, que, de maneira inusitada, convida o garoto a ser seu aprendiz.

O Tatuador, Elliot Riley, é umas das figuras mais contraditórias do romance – um misto de sensibilidade e de agressividade permanentes e complementares. Um artista atormentado. E nessa convivência intensa, o jovem Cy vai descobrindo os vários outros lados da vida. Começa a aprender a desvendar pessoas, começa a compreender a mágica que há ao redor da tatuagem – imagem ou palavras gravadas nos corpos das pessoas. Um dia Cy decide se autonomear como Michelangelo e muda-se para Coney Island, nos Estados Unidos. Monta sua loja próxima a um show de freaks e personagens circenses. Todos extremamente enriquecedores para a narrativa. Lá ele conhece uma mulher que muda sua vida e que pede que ele encha seu corpo de figuras de olhos.

As observações e as digressões de Sarah Hall são poéticas e originais. A autora consegue criar um universo rico de emoções e de sentimentos. Reflete sobre a filosofia da tatuagem e a necessidade de utilizarmos nossos corpos como canais de comunicação – como estandartes de nossas angústias, nossos desapontamentos e nosso amor. Seja por meio dos marinheiros que utilizam sua pele para registrar seus itinerários e aventuras, seja nas mulheres que, por baixo de muita roupa, carregam uma mensagem secreta.

É uma obra tão bonita, que o leitor acaba desejando que aquela história tivesse realmente acontecido. A autora pensa sobre a tatuagem não apenas como o invólucro do que está a margem, mas como um desejo imperioso de se tentar exprimir sua identidade e portá-la sem medo.

Gosto muito dos trechos que ela fala das mulheres, sobre como elas suportam a dor da tatuagem de maneira diferente. Sobre como ela são labirínticas e enfeitam seus corpos muitas vezes com pássaros. O livro é permeado de lindas simbologias. Vale muito a pena conferir!

A escritora Sara Hall começou publicando poemas em várias revistas literárias. Seu romance de estreia Haweswater (2002) é uma tragédia rural sobre a desintegração de uma comunidade. Em 2004 publicou o livro que foi resenhado logo acima. Em 2013 foi incluída na lista da Granta entre os vinte melhores jovens escritores. Em outubro do mesmo ano ganhou o BBC National Short Story Award por Mrs Fox.

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