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A Gangue Escarlate de Asakusa (浅草紅團)

Yasunari Kawabata (川端康成) - Editora Estação Liberdade

04/03/2016 08:27

“Mas é claro que alguém como você nunca vai entender a profundidade da miséria e da feiura de Asakusa. É com essa frase tão profunda e emblemática, logo nas primeiras páginas do livro, que Yasunari Kawabata te convida para conhecer um dos bairros mais misteriosos, encantadores e interessantes de Tokyo e do Japão. A obra, escrita pelo primeiro Nobel de Literatura japonês, no ano de 1968, é uma narrativa urbana, publicada em episódios no jornal Tokyo Asahi, de dezembro de 1929 a fevereiro de 1930. Em todas as passagens, Kawabata nos leva para Asakusa quando da sua decadência, recheado de malandros, prostitutas, muito jazz e shows bizarros (freak shows). E ele nos leva, como autor-narrador, acompanhado de sua amiga Yumiko, e completamente envolvido no espírito ocidental do flâneur, isto é, aquele espírito solto, vagabundo, vadio, em que ele mesmo descobre o que há em Asakusa como um observador-participativo do que acontece no local. Com muito tempo para investir nesta empreitada de descoberta da “Lapa de Tokyo”, Kawabata faz uso de momentos em que o narrador passa a ser alguém da própria realidade e a ordem cronológica não é seguida, causando-nos certa confusão em alguns momentos. Mas até mesmo essa forma “embaralhada” como a história é desenvolvida colabora com o clima de Asakusa. 

Os emaranhados existentes entre as personagens, com momentos em que se cruzam em meio a pontos da região, complementados pela descrição primorosa da arquitetura e da atmosfera do período em que a narrativa se passa, transportam-nos para Tokyo e até nos faz entender o Japão das décadas de 1920 a 1930. A ocidentalização japonesa em processo, presente inclusive na maneira com a qual Kawabata nos conta a história, é identificada inclusive no comportamento de muitas das personagens de Asakusa. O fato de Kawabata passear por ruelas, ter trânsito livre nos mistérios que não são revelados, com um olhar livre, que se espanta com as cenas japonesas, que ainda eram mais curiosas ao mundo ocidental naquela época, reforça a característica de flâneur na história.

 A curiosidade que ele tem em encontrar, em conhecer e em se aproximar de membros da Gangue Escarlate, também chamada de Companhia Escarlate, demonstra e reforça o ar de mistério que pairava por Asakusa e que até hoje se mantém em quem conhece e frequenta o local. Mesmo não sendo mais o ponto de boêmios como quando se passa a história, Asakusa ainda guarda o charme do Japão tradicional que faz com que, ao percorrer os locais descritos por Kawabata, como o templo Senso, o parque Sumida, o portal Kaminari, por exemplo, além do Restaurante da Torre do Metrô, seja possível se embeber do cenário de Asakusa tradicional. Uma leitura rica, com personagens instigantes, como a menina do cabelo raspado, o homem que se alimenta pela barriga, a velha da solitária casa de Asakusa e do gato prateado, que mostra um pouco da complexa sociedade japonesa, suas pressões e seus altos índices de suicídios. Inclusive, o próprio Kawabata cometeu o seu apenas quatro anos após ganhar o Nobel, no ano de 1972. Apesar de ser um estilo completamente diferente do que consagrou Yasunari Kawabata como um dos maiores escritores do mundo, “A Gangue Escarlate de Asakusa” é daqueles livros que te marcam exatamente por fugirem do lugar-comum, tanto pelo estilo literário quanto por revelarem um Japão diferente das expectativas ocidentais.


“Asakusa: é o coração de Tokyo…

Asakusa: é um mercado humano.”

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