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Um rosto para Esperança Garcia

No encerramento da 5ª edição da FLOR (Feira Literária de Oeiras), em 2017, eu descia do palco, depois de um dia muito intenso, quando fui abordado uma garota negra, teria uns dez anos de idade.

16/03/2019 06:24

Com aquela desenvoltura que só as crianças têm, disparou: “Cineas, me fale da Esperança Garcia”. Meu corpo, moído, pedia cama. Mas como  não obedecer a uma “ordem” tão precisa? Sem muito entusiasmo, declarei: Esperança Garcia foi uma escrava piauiense que, em 1770, escreveu uma carta... “Isso eu já sei”, afirmou. Diante do meu desalento, emendou: “Aprendi com você no seu programa”. Sem ter a quem pedir socorro, tentei encerrar o assunto: então sabe tanto quanto eu. Tudo o que se sabe de Esperança Garcia está contido nas dez linhas da sua carta. Com o dedo em riste, a menina afirmou: “Não acredito. Nenhuma vida cabe numa carta”. Para encerrar a conversa, propus: então, eu e você vamos inventar uma história  para Esperança Garcia. Os olhos da menina faiscaram de felicidade. Desconfio que me meti numa enrascada...

É realmente curioso que uma das figuras mais fascinantes da historiografia piauiense não tenha uma história. Com extraordinário poder de síntese, uma escrava semianalfabeta redigiu um dos documentos mais preciosos da nossa história. Uma petição perfeita, em defesa de uma causa mais do que justa. Não por acaso, Esperança Garcia foi homenageada com o título de patrona dos advogados do Piauí.

Em 2008, se não me trai a memória, o irrequieto Joca Oeiras, de saudosa memória, lançou, no Portal do Sertão, uma campanha: Um rosto para Esperança Garcia. Por razões que ignoro, o projeto não vingou. Mas a semente fora lançada e não morreu. No dia 8 de março do ano em curso, em sessão especial, realizada no Museu do Piauí, o Conselho Estadual de Cultura do Piauí lançou o edital Um rosto para Esperança Garcia, aberto a artistas plásticos piauienses ou radicados no Piauí há mais de dez anos. O Edital está no site do Conselho. Nem todo mundo vai concordar com a ideia. Por oportuno, vale lembrar:  quando o então secretário de cultura, deputado Fábio Novo, propôs transformar o espaço Zumbi de Palmares em Memorial Esperança Garcia, muitas vozes se levantaram conta a ideia. Curiosamente, entre os que se manifestaram contrário à iniciativa, havia um punhado de mulheres negras.

De uma forma ou de outra, vamos transformar o resultado do concurso numa exposição itinerante que deverá percorrer o Piauí inteiro. É preciso jogar luzes sobre Esperança Garcia, uma escrava, ou melhor, uma cidadã, que movida por um ideal nobre, legou-nos uma lição de dignidade.

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