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As raízes do crime

Nasci no sertão do Piauí e, durante algum tempo, vivi por lá.

17/02/2019 06:41

Como qualquer moleque sertanejo, vali-me dos precários meios de que dispunha – fojos, arapucas, baladeiras e bodoques – para pegar e matar pequenos animais. Tínhamos um bom pretexto: a carência de proteína animal. Carne no sertão era artigo raro, muito raro. Comia-se até rabudo.

Quando passei a morar em São Raimundo Nonato, descobri que caçar era um “esporte” tão comum como jogar futebol. Todos os garotos do meu tope tinham espingardas. Pais e filhos caçavam juntos: os pais repassando aos filhos as manhas do ofício: como “tomar chegada”; como imitar o canto das perdizes, coisas do gênero.

Armado de uma bate-bucha, passei a perseguir preás, nhambus, perdizes, verdadeiras... Descobri – por que não confessar? –  a alegria de matar. Para sorte dos animais, sempre tive péssima pontaria. Ainda assim, matava.

Um dia, meu irmão comprou uma espingarda Boito, calibre 28, uma máquina mortífera... Tomei gosto pela coisa. Uma tarde, ao voltar para casa, vi um bando de saguis num pé de angico preto. Para apurar a pontaria, mirei no líder do bando. Atingido na cabeça, o pequeno animal veio caindo lentamente, até esborrachar-se no chão. Aproximei-me para conferir o estrago. Ao ver o macaquinho se contorcendo, coberto de sangue, experimente a pior das sensações. Descobri, estarrecido, que já não matava para comer. Estava aprendendo  matando por  puro prazer. Naquele dia, resolvi aposentar, de vez, o caçador que me habitava. Devolvi a espingarda ao dono e fui ler folhetos de cordel.

Essas reminiscências me vieram à mente quando vi a foto de um tamanduá-mirim esquartejado, apreendido pelo polícia num dos restaurantes da região da Capivara. O animal fora morto dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara. Numa ação conjunta, ICMbio, IBAMA, Polícia Federal e Polícia Militar do Piauí surpreenderam caçadores, comerciantes e donos de restaurantes que vendiam pratos à base de animais silvestres. Mais de 15 presos, alguns reincidentes.

Para a chefe do ICMbio no Parque, Marrian Rodrigues, “ Ações pontuais são importantes, mas não bastam. O Parque precisa de uma polícia ambiental, capaz de inibir a ação dos caçadores”. Paralelamente, estão sendo desenvolvidas campanhas educativas, notadamente nas escolas. Educação ambiental em sala de aula pode ser o primeiro passo para a erradicação de uma prática condenável sob todos os aspectos. Com um pouco de sorte, as futuras gerações poderão livrar-se do vírus que atiça o prazer de matar. Assim seja.

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