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O Homem, a Língua e o Mundo

Artigo filosófico - Francisco Miguel de Moura

03/03/2015 13:25

segunda-feira, 2 de março de 2015

O HOMEM, A LÍGUA E O MUNDO


Francisco Miguel de Moura

Escritor (Academia Piauiense de Letras)

 

  A Bíblia diz que no princípio era o verbo. Já outras pessoas, inclusive cientistas, acreditam que antes do verbo vem o pensamento. No Último caso está o Dr. Humberto Guimarães, psiquiatra competente, acadêmico da Academia Piauiense de Letras e professor sério, pessoa simples e honesta, que assim externou no início de sua conferência sobre o pensamento, num dos nossos sábados solenes, na APL, para uma seleta assistência. Aliás, uma ótima conferência. Pena que não tenha sido escrita ou gravada para distribuição e leitura, que é uma espécie de audição mais demorada e apreciação em todos os seus detalhes.
  Mas nem sempre os filósofos e cientistas são concordes. Há quem considere que pensamento pressupõe a linguagem e vice-versa. Nascem ambos ao mesmo tempo e têm a mesma origem.
  Com essas considerações, inicio este artigo sobre um livro cujo título é “A Língua e o Homem”, de autoria de Bertil Malmberg, tradução de M. Lopes e edição das Editoras Nórdica/Rio e Duas Cidades/São Paulo, 1976. Com base em anotações feitas há alguns anos, não pretendo nenhuma propaganda das editoras ou livrarias. 
  Trata-se, dizem os editores sobre o livro, de uma rigorosa introdução aos problemas gerais da ciência da Linguística, o que não deve ser alheio aos universitários (professor ou aluno) que tenham ligação com as ciências humanas. Tudo baseado na leitura, pois o autor não nos é familiar e o que sabemos dele é que é um professor de fonética na Suécia e autoridade internacional no assunto.
  Mas não é mais um livro sobre a Linguística como tantos que pululam por aí afora, eivados de estruturalismos doentios e rançosos, de teorias universitárias indigestas até para os próprios professores. ÂÉ uma obra que tem valor para a vida prática. Poder-se-ia abri-la sem susto, pois lá se encontram informações, comparações, análises e exemplos de quem conhece a matéria e por isto fala de coisas difíceis com linguagem acessível. 
  Entre as inúmeras informações e formulações, exemplifiquemos com esta que se encontra lá na pg. 82: “A onda sonora no ar ou as letras no papel adquirem poder sobre os homens graças a sua característica de portadores de conteúdos. Como já afirmamos, na relação entre um conteúdo e uma expressão está a essência da própria língua. Mas se desejamos não ser enganados pelas próprias palavras, devemos observar as mudanças que se produzem pouco a pouco no conteúdo, juntamente com as modificações de tempo, espaço e ambiente. A Semântica é‚ pois, uma ciência muito útil como aliada na luta contra o poder da língua sobre o pensamento. Não somente dela necessitam os ditadores para poder levar a cabo sub-repticiamente sua arte de sedução. Necessitam-na também todos aqueles que consideram como tarefa mais urgente a luta contra esses ditadores onde quer que eles surjam”.
  Minha opinião sobre o assunto, creio, é de somenos importância. Por isto passo novamente a palavra ao autor de “A Língua e o Homem”: 
  “Um ser incapaz de captar e experimentar conceitos não pode criar uma língua. Língua e formação de idéias são, no fundo, uma coisa só, e constituem expressão de idêntica capacidade. A língua e o pensamento são, em sentido restrito, a mesma coisa. O aparecimento da capacidade linguística se torna igual à ação pela qual o homem se torna homem. Assim, a verdade do primeiro versículo do Evangelho de João, adquire sua confirmação”.
  Aos que acham que a educação linguística é coisa supérflua, Bertil Malmberg afirma que um ser humano sem língua não é propriamente um ser humano. Que uma pessoa com língua pobre é apenas uma pessoa pela metade, o que acontece nas massas dos países subdesenvolvidos. Povo rico tem língua rica, bem desenvolvida. Povo pobre tem língua pobre. Não podemos comparar a riqueza de um inglês, francês ou russo, pelo seu patrimônio língua/pensamento, com um pobre indígena dos confins do Amazonas.
  A respeito do estudo das línguas estrangeiras, o Autor, no livro sob referência, mostra que o conhecimento e uso de mais outra língua faz com que a gente possa sentir os problemas de outros povos, dá mais abertura ao pensamento. O erro está em que foi institucionalizado o estudo obrigatório do inglês entre os povos de língua neolatina, por exemplo, quando deveriam estudar o alemão, o sueco, o russo, de preferência, porque distanciados das suas, pois que, quanto mais distante do idioma materno, outra língua se torna mais fácil de ser aprendida, sem grandes desvios. É exatamente o contrário da opinião comum, corrente. Semelhança não conduz à facilidade do integral pensamento em outra língua. Os suecos, por outro lado, deveriam estudar não o inglês - apesar de sua riqueza, reconhece o Autor - mas o francês, pelo muito que poderia servir também língua rica e flexível, objetiva e clássica, na impossibilidade de um pulo maior, estudando, por exemplo, o chinês, por causa do alfabeto.
  Depois desse estudo, pode-se pensar que, se o mundo todo falasse a mesma língua, o entendimento dos povos (que no caso seria povo), se tornasse mais fácil, mais possível, melhor.  E, como uma palavra leva a outra, um pensamento também leva a outro: o da Torre de Babel, registrada na Bíblia quando da dispersão do povo e da confusão das línguas. Por isto é que um poeta contemporâneo cantou: “minha pátria é minha língua”. como poderia ter dito: “o pensamento não é só meu, é um patrimônio do homem”.


 

Fonte: AUTOR - CHICO MIGUEL
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