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Não calar. Gritar, aqui e em toda parte

Ser mulher é sentir na carne as inúmeras violências sofridas por tantas outras mulheres, conhecidas ou não, diariamente

02/06/2016 09:56

 

Eu pensei que ia conseguir não falar aqui nesse assunto. Eu pensei que ia encontrar outra maneira de racionalizar a dor, de encontrar uma forma de ajudar a mim e a outras tantas mulheres daqui e de um sem número de lugares. Eu falei nas redes sociais, falei em cada canto que andei, principalmente nos últimos dias. Comprei briga. E agora vou falar aqui. Não há como calar.

Uma garota de 16 anos foi estuprada por mais de 30 homens, há poucos dias, no Rio de Janeiro. E ela não está só. A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil, segundo os dados oficiais. Você não leu errado. Um estupro a cada 11 minutos. O que você faz em 11 minutos? Toma um banho, um café? A cada intervalo de um banho, uma mulher é estuprada.

Na verdade, o tempo entre cada estupro pode ser ainda menor, já que muitas mulheres não denunciam o crime, não prestam queixam, não chegam à delegacia.

E por que eu tive que vir falar também aqui sobre isso? Porque essas mulheres não são desconhecidas, ainda que nunca as tenhamos visto. Elas são cada uma de nós, outras mulheres, também expostas a esse risco.

Quando uma mulher é estuprada, ela não é vítima apenas desse crime. Outros vêm logo em seguida: a mulher é condenada, culpada por ter sido estuprada.

Na mente de muitas pessoas, no senso comum de nossa sociedade, a vítima do estupro de alguma forma “desejou” sofrer essa violência. De algum jeito, as pessoas acham que ela “facilitou”, seja porque usava uma roupa curta, seja porque frequentava determinados lugares, seja porque acreditava ser dona do seu corpo.

A verdade, é que as pessoas (mulheres, inclusive) gritam aos quatro ventos um sem número de razões pelas quais a mulher vítima “procurou” ser estuprada. Gritam também que o estuprador “é um doente”. E isso minimiza o crime. Até mesmo o desfaz, ou o justifica.

Nenhuma mulher – isso mesmo, nenhuma – é culpada por ter sofrido qualquer violência. Nenhuma mulher tem culpa por ter sido estuprada. A culpa é única e exclusiva daquele que estuprou, do agressor. E ele não é doente. Ele é um criminoso.

É isso que deve ficar claro. Não devemos normalizar o estupro nem outros tipos de violência.

Não interessa quem seja a mulher, quais escolhas de vida ela fez. Estupro é crime.

No caso específico da menina do Rio, ainda que não haja sinais de violência apontados pelo exame (que demorou dias para ser feito), ainda que ela seja viciada em drogas e estivesse sob o efeito de entorpecentes, ainda que ela costumasse praticar sexo com vários homens ao mesmo tempo, ainda que – naquele dia específico, drogada – ela tenha “aceitado”, como muitos insistem em dizer, o que ocorreu com ela foi, sim, ESTUPRO.

Foi crime. Estupro de vulnerável. E como crime deve ser tratado.

Nós, mulheres, mães, e homens de verdade, pais, temos que gritar isso a todo instante, em todos os lugares.

Como família, temos que ensinar os meninos a respeitarem as meninas. Dizer que eles não têm o direito de apertar, abraçar, beijar ou fazer qualquer que seja o ato sem que as meninas queiram. Ensinar sobre respeito, permissão e empatia.

Como família, temos que ensinar as meninas sobre segurança e domínio de si mesmas e de seus corpos. Ensiná-las a não se calarem, a não se submeterem, a buscarem amparo nas amigas e a ampará-las.

Meninos e meninas precisam aprender desde cedo que amor não causa sofrimento, não provoca crimes. Que beijo bom é beijo consentido. Que carinho é aquele toque que desejamos. Tudo que é contra a vontade, forçado, não é amor. Nossas crianças precisam saber isso desde sempre.

E a você, que me leu até aqui, mas está discordando fortemente e ainda encontrando justificativas para estupro e outras violências contra a mulher, eu proponho um exercício. É rápido, fácil de fazer.

Sempre que ouvir falar de uma mulher estuprada ou vítima de outra violência, antes de procurar saber mais sobre a história, antes de vasculhar a vida dessa mulher e julgá-la, imagine que essa mulher é você, sua filha ou sua mãe.

Certamente você descobrirá o óbvio. A vítima não é culpada pelo estupro ou pela violência. A culpa é do agressor. Ele é um criminoso, e como tal deve ser tratado.

Ser mulher é sentir na carne as inúmeras violências sofridas por tantas outras mulheres, conhecidas ou não, diariamente. Por: Viviane Bandeira, jornalista, mãe da Laura, de uma estrelinha e da Luísa
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